segunda-feira, 6 de abril de 2009

A UVA PASSA

De repente, ela escutou chamar seu nome. Andava apressada, pensando nas contas pra pagar, no fdp do falecido que não mandava pensão há um tempão – justiça seja feita, era a única hora que pensava no traste - , quando ouviu, quase junto do ouvido: “Ei, você não é a Marcinha?” Voltou-se automaticamente, já esboçando um sorriso, quando viu aquele tiozão parado, com um grande sorriso na cara, parecendo feliz da vida.
O sorriso murchou antes mesmo de alcançar toda a boca. Tinha certeza que não conhecia aquele senhor a sua frente. Não lembrava de ninguém com aquela figura: os cabelos loiros insuficientes para esconder o couro cabeludo, bronzeado de escritório, as faces desabadas de quem perdeu peso rapidamente, nariz de alguém chegado numa cachacinha e uma senhora barriga, mesmo no corpo magro.
- “Posso ajudá-lo?” – perguntou mais por educação que interesse. Afinal, ele sabia seu nome, chamou pelo diminutivo, podia ser um conhecido de seus pais. Encontrava amigos deles em todos os lugares do mundo em que já tinha ido, ainda que levasse em conta que a única viagem internacional de sua vida tinha sido até Ciudad Del Este, no Paraguai.
- “Vai dizer que não lembra de mim? “ – veio a resposta que ela mais odiava na vida. Lógico que não lembrava. Não lembrava nem da cara da manicure com a qual fazia as unhas todas as semanas, ia lembrar de gente que não vê há muito, muito tempo? – “Desculpe, mas não, não lembro”, disse constrangida como sempre. Há muito tinha desistido de tentar fingir que recordava, sempre dava bola fora.
- “Pô, Marcinha, não lembra do grande amor da sua vida? Nós fizemos loucuras na nossa época”, disse o velhote ali parado, com a maior cara-de-pau que ela já tinha visto. – “Acho que o senhor me confundiu com alguém, me desculpe mas estou atrasada....” – começou a desculpar-se para cair fora o mais rápido possível. Ele não se abalou. – “Não me diz que esqueceu de mim, o Mauro, o Maurão, querida”.
De repente, caiu a ficha. Claro, aqueles olhos eram do MAURÃO. Embora meio escondidos pelas rugas e avermelhados, continuavam com aquela cor bonita, parecida com mel, que a fizera perder as estribeiras muitas vezes. Mas o resto, não era possível. Como O MAURÃO, aquele homem todo, tão gostosão que a gente só podia pensar nele em letras maiúsculas, garrafais mesmo, podia ter se transformado nesse caco velho. Impossível, não podia ser.
O MAURÃO era da sua idade, talvez uns dois ou três anos mais velho, ela não lembrava bem, mas aquele senhor a sua frente podia ter, no mínimo, uns 15 anos a mais. Para ele, parecia que os 50 já tinham chegado e partido há muito tempo. Não podia ser seu ex-namorado.
- “Você é O MAURÃO? “ – ainda conseguiu balbuciar, em choque. – “Está tão diferente” – disse, sem se preocupar em ofender. – “É, sou eu mesmo. Mudei, né? Muita cerveja e vida fácil” – riu-se ele. – “Mas você não mudou nadinha, continua com a mesma carinha que tinha aos 18. Fez plástica?” – ainda teve o desplante de perguntar. Aquilo foi a gota d’água. Decidiu não perder mais tempo com aquele fantasma de natais passados.
- “Olha, foi bom te rever (mentira, mentira) mas estou mesmo com pressa” – disse secamente. – “Que pena, não quer ir tomar um café, uma cervejinha, bater um papinho e lembrar os velhos tempos?” – convidou o velhote, com um sorriso meio cafajeste na cara. ­­– “Não, não posso, hoje não” – respondeu já dando alguns passos. Mas sabia que não iria se livrar tão facilmente. Não se livrou. Teve que dar celular (mas não o número certo) e o e-mail que usava só para quando não queria se comprometer.
Quando se viu livre, pode enfim voltar a respirar. Mas ainda estava em estado de choque e não conseguia se concentrar em mais nada. Ligou para o escritório e deu uma desculpa qualquer. Não tinha cabeça para enfrentar chefe aquela hora. Com certeza, faria tudo errado.
Foi pra casa, deitou no sofá e voltou ao passado. Nossa, como tinha amado aquele homem. Por ele, fizera loucuras. Lembrou do assédio sobre ele que teve que agüentar, até de amigas, imagine. Recordou a briga definitiva, o término do namoro, cada um buscando seu caminho. Relembrou inclusive que, mesmo anos depois do fim e já casada com um filho, chorou ao saber do casamento dele com a Silvinha, aquela ruiva falsificada. Fazia o quê, 20 anos?
– “Caraca, a vida passa, o tempo passa, mas porra, assim é demais” – lamentou-se. Nisso, um pensamento a deixou gelada. – “E se eu estiver tão estragada quanto ele?” – arrepiou-se. Correu ao espelho do quarto.

2 comentários:

  1. Legal a história. Mas fala a verdade, o espelho não desmentiu seu presentimento né? Quiac, quiac, quiac (risos de gibi). Bricadeirinha!

    ResponderExcluir